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domingo, 19 de maio de 2013

Certa tarde de verão no Hemisfério Sul


Faz sol.


O céu é de um azul intenso e brilhante, homogêneo e plástico, como se fosse a única tonalidade possível dentro da infinita paleta de cores da natureza. Para qualquer lado que se olhe, não há vestígio de nuvens.

O local se assemelha a uma praça. Quer dizer, é bem certo que deve ter sido uma praça, algum tempo atrás. Poucos bancos de ferro, ou de qualquer metal que se assemelhe a ferro, sobrevivem, ainda que com seqüelas, mas a maior parte do terreno é feita de escombros. Pedras, terra. Pedras de todos os tamanhos, aparentemente modeladas pelo homem em mais uma das suas complexas construções que foram destruídas nalgum evento distante e esquecido. Terra cinza. Pó. Pedaços do que parece ter sido uma estátua. Metal retorcido e queimado se espalha ao longo da planície.

Um dos bancos está situado precisamente no centro do terreno, embora seja impreciso afirmar onde é o centro disso tudo. No banco, estão sentados dois senhores. Eles são, certamente, bem vestidos: o primeiro traja um elegante casaco verde, ornado com impressionantes botões madrepérola que fazem faiscar a luz do sol. Sua calça é azul marinho, de um material próximo ao linho. Poderíamos chamar sua roupa de roupa de marinheiro. A camisa, branca e abotoada até o pescoço, está enfiada dentro da calça. Os sapatos são pretos, de bico fino: eles brilham. O segundo senhor, fisicamente, se parece muito com o primeiro. Não dá para saber qual dos dois é o mais velho. A principal diferença talvez esteja em seu bigode, branco e escovado. O outro tem o rosto liso, como se tivesse acabado de se barbear. O terno desse é preto, de risca de giz cinza. Seus sapatos também são pretos e engraxados. Os cabelos extremamente brancos de ambos, ralos e escorridos pela testa, também refletem os raios solares. Dir-se-ia que os dois competem num concurso de impecabilidade.

O silêncio é quebrado pelo primeiro. Olhando para a frente, com os braços cruzados, ele diz:

- Parece que agora acabou mesmo, certo?

- Penso que sim. Hamsa cuidou dele até o limite, mas ele não resistiu. Morreu. Tive pena, sobreviveu muito mais tempo do que deveria. Era o último. Agora chega de sofrimento.

- Hamsa se foi?

- Sim. Ele disse que o faria. Cumpriu o que falou. Partiu tão logo soube, hoje de manhã. Você ainda dormia.

- Bom, é o fim, portanto.

- Para eles, sem dúvida. Mas eu e você – e Hamsa – estamos por aqui. Não acabou ainda.

- Sob esta perspectiva, não vai acabar nunca.

O velho olhou para o céu, como se observasse o sol, e disse:

- Nada é para sempre, meu velho. Há coisas que duram muito tempo, e parecem eternas, mas também elas têm um final. – E completou, abaixando a voz: - Pelo menos, assim espero.

- Eu também.

Os dois permaneceram um pequeno período – dois ou três minutos – em novo e profundo silêncio, ambos evitando olhar um ao outro. Ao longe, pequenas e tímidas nuvens esbranquiçadas começam a se formar lentamente. O sol subiu mais, e agora castiga de maneira impiedosa. Nenhum dos dois parece se perturbar com isso, apesar dos ternos, das calças e das camisas abotoadas.

O primeiro decide recomeçar o diálogo.

- Que língua falamos?

- Não sei. Para que você quer saber isso?

- Curiosidade. Conversamos por tanto tempo com aquele moribundo, até ontem ele ainda balbuciava qualquer coisa sem sentido, e eu nem sei em que língua falávamos. Aliás, há muito não conversávamos tanto.

- Quanto tempo será que durou?

- O quê?...

- A humanidade. Quanto tempo terá levado desde que o primeiro homem nasceu até ontem?

- Hm. Não faço ideia. Não sei nem ao menos quantos anos eu tenho.

- Eu também não. Eu tinha setecentos e alguma coisa quando decidi que ia hibernar nas grutas do Hudson. Quando saí de lá eu estava ressaqueado, sem saber se tinha dormido um ano ou um século. Desde então parei de contar a minha idade. Devo ter uns três mil anos. Talvez mais.

- Hamsa diz que tem dezessete mil anos.

- Duvido. Hamsa está numa fase em que fala um pouco demais. Carência afetiva. Acomete a todos nós, ocasionalmente.

Novamente eles se calam, desta vez por cerca de dez minutos. Agora quem fala é o segundo senhor. O do terno de risca de giz.

- Sabe, pensando bem, é um tanto frustrante esta situação. A humanidade viveu muito menos tempo do que imaginou viver. Não sei, uns 170, 200 mil anos desde que o homem adotou atitudes que o distinguiram dos outros animais. Isso não é nada. Os estúpidos répteis duraram mil vezes mais que isso. Se Hamsa falar a verdade, ele acompanhou um décimo, ou quase isso, de toda a história dos humanos.

- Você já pensou que poderíamos ter tomado algumas atitudes em prol da reversão da extinção da humanidade? Eu, você, Hamsa e os outros que estão espalhados aí pelo mundo? Nós poderíamos ter feito isso.

- Vocês, talvez. Eu não sou tão antigo assim. Não acumulei sabedoria suficiente para desviar a Grande Escala da História Humana. Derrubei uns prefeitos aqui e ali, fiz de alguns filhos e netos pessoas famosas, mas isso foi tudo.

- Bom, acho que um desvio tão grande jamais foi tentado, portanto nenhum de nós, em tese, estava preparado. Talvez fosse um esforço para ser realizado em conjunto. Mas, bom, confesso que não previ essa queda tão rápida e repentina. Você previu?

- Eu não.

- A humanidade conseguiu surpreender até o fim.

- É.

- E agora? O que faremos?

- Não sei. Talvez andar por aí. Eu estou ficando com fome: que tal procurar alguma coisa para comer?

- Podemos pensar nisto. Deixe-me meditar um pouco agora.



Ambos fecham os olhos. Ao que parece, nenhum dos dois velhos voltará a dizer algo tão cedo.

O grande sol amarelo brilha alto no céu, com a mesma imponência de há centenas de milhões de anos. Seus raios reverberam no chão seco e duro, gerando ondas de calor por onde quer que se observe, iluminando implacavelmente toda esta parte do planeta.

Talvez caia uma tempestade, à noite.

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